terça-feira, 30 de julho de 2013

Virtude opaca

Purgado o fulgor
O que resta do homem
É mácula. Visgo carnal
De sedimentos.

Teu sal
Sabor de querências
Usurpa valores
E o modesto pudor
Dispensa.

Por isso
Só é plena
A carne quando
Mata a sede.

Tomo o desejo
E o prego
Na parede. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Aparições do Nem Sempre

O silêncio da folha:
O temor de todo poeta.

Esquiva-se
Peneirando na letra
O lugar do sem-nome.

A palavra
Encarnada
É vitória vingada
Sobre o vazio.

Prepara o terreno
Escorre o invento
Sereno, sutil

E se escreve
Na eterna crença
De que todo
Poema vem.


Porém...

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Predestino (ou) Calvário


Nos entreolhares
A sina da paixão consumada
Barrabás com o dedo no gatilho.

A via do pó, da seringa,
O desacerto na esquina
A lira da misericórdia
O desapelo cativo.

Eli, Eli, lama sabachthani?
Tetelestai.

O fadado disparo
Precede o antro
E entre os dois
Dissipa da bala
Um canto.

sábado, 18 de maio de 2013

Secreto


Numa vida cabem
Dez vidas ou mais.

O menino que chora
Por perder o brinquedo
E que dorme com a mãe
Pra passar pesadelo

Flagraram dormindo
Embriagado num quarto
Sujo de motel.

Ela conta estrelas sem apontar
Para não nascer verruga.
Ela fala com cuidado pra não
Deslizar a dentadura.

Em qual noite
Passou anjo perverso
E nos trocou coração cândido
Pelo inverso?

A alma guarda segredo
Quando nasce outro homem
E tantas vidas carregam
Mesmo nome.

No mesmo bolo de carne
Uma vida silencia
A morte da outra
Na espera do dia
Da última vida
Se calar.

sábado, 20 de abril de 2013

Delato


Recito vozes alheias
Repletas de gestos
Que outrora vivi.

Viver em suma é (p)arte
De um eu-livro
Que nunca li.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Oração repetida


Eu tentei enterrar essas linhas
Mas poema escrachado não pede licença
Não agenda sua vinda.

Eu, cavalo seu, permito que vença.
Calço suas sandálias, ponho asas
Gastas por tanto uso. Canso
De gotejar uma dor coagida.

A angústia que bebo
Tem validade vencida
E palavras que escrevo
São eco do eco
Oração repetida.

Sem consulta fui escolhido
Servo e senhor desse trilho
Vassalagem de eterno penhor.

Se fujo discreto, contrito
Lá vem o poema em sigilo
Tratando de ser escrito,
Cavaleiro de assaz combate.

E obedeço à ordem esperada
Da transcendente entidade:
Ponho a crina, meu manto,
E amarro minha sela enquanto
Relincho a honrosa chegada.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Rapto


Espreitar do comungol
Celulose e carbono
O real contrário.

Ação de vigiar
Sendo o próprio olho
Seu retrato.

A fresta recorta
O flagrado instante
A poesia o coloca
Na estante.

O galho sobre a telha
Tece eterno discurso.
Atalho para a arte
Rascunhos de seu curso

Pra compor poema-prisma
Filtro que pulveriza
O pretérito agora.

O que no tempo escapa
A palavra por si
Adota.