quinta-feira, 31 de março de 2011

Insaciavelmente

     E mais uma vez, estou a escrever. O que faz de mim um vicioso ciclo, o que me mostra que quanto mais sou flagelado por uma dama cruel e sedutora, que mostra os dentes diante de lágrimas alheias, chamada vida, mais me refugio em anotações, que remetem a escuridão presente no meu interior. Escuridão tal, que ao encarar seus olhares, só me resta virar a folha para preencher seu verso, sangrar o papel com lamentações de quem implora misericórdia e salvação. De fato, confesso que papel e caneta se transfiguraram em  antídotos, sinto mastigar as palavras em minha boca,  sinto  seu efeito alucinógeno o qual me reporta à dimensões de um passado que nunca existiu; e quase sou resgatado por uma sensação de conforto. Vou escrevendo como se houvesse alguém do outro lado da linha, escutando minha voz embaraçada por raiva e dor entalados a tanto tempo, pacientemente me ouvindo por apenas compreender que expor os ferimentos do coração fazem bem para o espírito. E no alívio de ter atiçado fora a dor ao terminar com um ponto final, vão surgindo novos parágrafos distorcidos, vou dando espaço aos ecos que ressoam do abismo do meu coração, dando-me conta que transformei um final em um seguimento, e ponto. O real problema em mim é - creio eu - que em minha condição carnal, apenas sei escrever torto nas linhas certas, me falta um pouco de divindade para o contrário. Sigo tropeçando em palavras para acompanhar o acelerado ritmo do meu coração, me esbarro em uma multidão de sentimentos que caminham opostos ao meu trajeto e me perco a procura do remédio para sofrimento. E assim, vou retirando o pesado fardo do meu íntimo ao findar o texto, sabendo que mais tarde tornarei a caçar em vocábulos o antibiótico para minha salvação.  

domingo, 20 de março de 2011

Flashback

       Rebobinei centenas de vezes aquela cena, e cada vez que voltava-a, apreciava cada milissegundo. O brilho dos seus olhos ao refletirem a luz fraca que penetrava pela janela, num vaivém à procura de um encontro com os meus, sujeitos ao seu domínio. E insaciados, os pares de olhos em mim fitados se contentaram em atentar as palavras que saíam de minha boca. O seu perfume que, mais uma vez, adentrava impertinente em minhas narinas e invadiam meu corpo, atiçando-o para frente, encorajando-me a tocar seus longos cabelos para experimentar sua bebida. E sua atenção quase intimidadora em tudo o que eu dizia, que mesmo a deixar-me desconcertado, era capaz de massagear minha áurea, elevar meu espírito ao estado de graça. Mais uma vez rebobinei, e ri, ao me reportar a dificuldade de encará-la e não me sentir encantado. Cheguei a gravar minhas falas, as suas também. E a filmagem guardei com bastante cautela, no compartimento do meu coração dos dizeres “você”.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Em busca

    Embarcado estou nesta desconhecida peregrinação, por onde os dias contam como meses, e existem mais mil alguéns em outras embarcações a galgar meu objetivo, a comprometer meu futuro, para que não seja eu a erguer o troféu, mais tarde. E fica claro para mim que, pela primeira vez, não poderei contar com um suporte, flutuo sobre a água na  ansiosa esperança de alcançar a desejada terra, e mostram-me diante de meus olhos que  pioneiramente apenas eu serei capaz de quebrar os obstáculos, que dessa vez, mesmo que não queira, eu sou o dono do meu próprio destino, e a responsabilidade de morrer afogado está sobre minhas costas, e torna-se dolorosa a cada dia que passa. Cercado de água, e de longe deslumbrando o verde vivo pertencente à terra que me espera - o paraíso, diria – deixo o barco e estou a me movimentar bruscamente mar a fundo, e em direção à vegetação viva que a terra cerca. Sei também que todos os outros se atreveram a deixar o barco e nadar também, ouço o confuso ruído deles ao entrarem na água, concomitante aos meus movimentos. Sinto na pele que pertenço a corrida em que o primeiro a chegar será o grande proprietário e senhor de sua própria sina. E colidindo com braços e pernas de meus antagonistas, vai meu corpo dando o máximo de si a fim de alcançar objetivo tal, e vai também um coração tímido e uma mente cansada, ora tomados por ondas de baixa auto-estima, ora dando migalhas às remotas esperanças de um dia gritar que venci.    

quarta-feira, 2 de março de 2011

Sétimo sentido

Sinestesia jamais será escrever sobre sentidos.
Sinestesia é falar por eles, é deixar que tomem posse
De nossas mãos ao pressionar a caneta,
E que transbordem no papel palavras
Que arriscam se aproximar do que realmente sentimos.
Uma verdadeira psicografia do coração.