Uma chuva torrencial apagava e
acendia os postes do morro. O vento soprava enfurecido, vingava os dias de sol queimando
asfalto. Corria morro acima morro abaixo, roupa do varal sendo levada, um som
abafado de carro ecoando. Numa igreja, pastor orava. E em tudo, as casinhas. Juntas,
pequenas, se abraçavam – o telhado de uma desabou -. Gritos agudos de longe,
meninada na rua chorava procurando onde escorar. Mãe desesperada gritando nome
de filho e pai suspendendo os móveis, na esperança de alguns salvar. Uma
senhora erguia a bíblia, gritando que já estava escrito. Som de carro
interrompido: pifou a boca de som. O inferno era frio. Chuva teimava não cessar,
desbotava pinturas, desmanchava sonhos. Escorria-os encosta abaixo, misturados
à podridão fétida da lama barrosa que despencava sobre outra casa. Menos um
sonho.
Mas as casinhas. As que ficavam,
as que fincavam. Tinham raízes, e mais coração que os homens. Ante o desastre
chuvoso e os clamores de pessoas por salvação, elas sabiam ser fraternas entre
si. Dividiam um mesmo calor que só elas sabiam. Estavam ali como um único
alicerce, um lastro de solidariedade prestada a cada casa caída. Ante o descaso
da humanidade, do egoísmo latido do homem, estavam juntas: Sabiam que eram uma
família. As casinhas. Eram uma oração.