quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sobre a viga


Uma chuva torrencial apagava e acendia os postes do morro. O vento soprava enfurecido, vingava os dias de sol queimando asfalto. Corria morro acima morro abaixo, roupa do varal sendo levada, um som abafado de carro ecoando. Numa igreja, pastor orava. E em tudo, as casinhas. Juntas, pequenas, se abraçavam – o telhado de uma desabou -. Gritos agudos de longe, meninada na rua chorava procurando onde escorar. Mãe desesperada gritando nome de filho e pai suspendendo os móveis, na esperança de alguns salvar. Uma senhora erguia a bíblia, gritando que já estava escrito. Som de carro interrompido: pifou a boca de som.   O inferno era frio. Chuva teimava não cessar, desbotava pinturas, desmanchava sonhos. Escorria-os encosta abaixo, misturados à podridão fétida da lama barrosa que despencava sobre outra casa. Menos um sonho.

Mas as casinhas. As que ficavam, as que fincavam. Tinham raízes, e mais coração que os homens. Ante o desastre chuvoso e os clamores de pessoas por salvação, elas sabiam ser fraternas entre si. Dividiam um mesmo calor que só elas sabiam. Estavam ali como um único alicerce, um lastro de solidariedade prestada a cada casa caída. Ante o descaso da humanidade, do egoísmo latido do homem, estavam juntas: Sabiam que eram uma família. As casinhas. Eram uma oração.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Controle


Eu te ponho num pedestal
E te cubro de adornos
À minha pobre languidez.

Por dentro um grito surdo.
Cerro os dentes, franzo o cenho,
Suor escorre, fecho o punho,
Vejo de novo, respiro fundo:
Está cessada a embriaguez.

domingo, 12 de agosto de 2012

Fagulha escondida


Tu és enigma.
Cobre teu rosto com véu,
Esconde-se ao léu,
Neblina.

Leio-te, bebo-te,
Provo-te acre, híbrida,
Traduzo-te dócil, lírica,
Tu és paradoxo, ilógico.
És vida.

Faz-se rocha, fere.
Mas afaga ao toque da pele
E desfaz a raiva contida.
Afasta sem procedência,
Me puxa, simula decência,
convida.

Impõe.
Lança um olhar austero.
Não retruco, inclino a cabeça,
mas ainda observo.

No teu reflexo,
Escondida na ávida moldura,
Vejo paixão, no teu peito
Vejo pele de cordeiro,
E um amor que tímido fulgura.